Um amigo recentemente compartilhou um post sobre as observações de Richard Feynman sobre o ensino de física no Brasil dos anos 50 e sobre como os problemas que ele observou ainda são visíveis no Brasil de hoje.
O post me fez pensar um pouco sobre as experiencias da minha família com o ensino de primeiro e segundo graus no Brasil e no exterior. A gente discute bastante as diferenças que temos notado com relação às questões curriculares e também às atividades extra classe.
Primeiro algumas constatações similares às de Feynman: o ensino no Brasil tem um viés mais "conteudista"(odeio essa palavra, mas não achei nenhuma melhor...). Isso vem tanto da nossa observação das atividades desenvolvidas por nossos filhos quanto da comparação dos requisitos curriculares.
Desde que nos mudamos, temos a preocupação em manter o curriculo escolar das crianças compatível com os requisitos da legislação brasileira para facilitar a validação do diploma ao voltarmos ao Brasil. No caso do DF, onde morávamos, a regra é que o curriculo cursado no exterior tem de ser similar às definições das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Assim, tivemos de estudar as diretrizes curriculares para ver como deixar o currículo daqui o mais "similar" possível.
A primeira diferença é a flexibilidade. A única opção que a legislação brasileira deixa para os alunos de segunda grau é a escolha da língua estrangeira. Já o esquema americano se baseia no ensino de língua materna e matemática como obrigatórios e deixa muitas opções para os alunos montarem o seu currículo. Um exemplo concreto: enquanto a lei brasileira exige o ensino de física, química E biologia, a escola daqui permite que o aluno escolha apenas duas das ciências em cada ano. Nas áreas de humanas a diferença é ainda maior: no Brasil exige-se história, geografia, sociologia E filosofia; o currículo daqui inclui uma disciplina de "humanities", que agrega as diversa áreas de humanas. Em compensação a ênfase em matemática e na língua materna aqui é muito maior.
Ao menos no papel, o currículo brasileiro é muito mais abrangente e completo. Mas aí entra a crítica de Feynman que, já nos anos 50, percebeu que a ênfase brasileira em conteúdo não é acompanhada de uma compreensão mais aprofundada dos princípios básicos. A observação de Feynman sobre a falta de experimentos no ensino de física no Brasil pode ser, pela nossa experiência, extrapolada para o ensino das demais ciências. Se no Brasil as crianças faziam uma ou, no máximo, duas visitas ao laboratório de ciências da escola por ano, aqui as aulas de ciências se dão no próprio laboratório. Enquanto no Brasil o ensino de biologia se dava com o profesor mostrando modelos de plástico dos órgãos, aqui os alunos dissecam corações ou olhos (um para cada dupla ao invés de um único manipulado apenas pelo professor).
Outro ponto que muito nos chamou a atenção é que as escolas e as turmas aqui são bem menores. A escola atual é considerada grande por aqui: tem 1500 alunos do maternal ao segundo grau. A escola brasileira tinha cerca de 5000 alunos, sem contar com o segunda grau, que era em um prédio separado. Nas salas de aula, enquanto no Brasil turmas de 4a série (5o ano) com 40 a 45 alunos eram consideradas "normais" pela escola, aqui as turmas tem no máximo 20 alunos, muitas vezes menos, mesmo no segundo grau. Aulas especializadas podem ter apenas 3 alunos em alguns casos.
O tamanho das turmas afeta a capacidade dos professores no ensino de ciências (e outras matérias, obviamente), em especial a capacidade de promoverem aulas em laboratórios. Alguém consegue imaginar uma aula em laboratório com 40 alunos de 5a série?
O tamanho das turmas e a quantidade de alunos na escola afetam também a capacidade dos professores de ter um acompanhamento mais próximo do desempenho e da evolução de cada aluno. Enquanto no Brasil a escola pedia para os pais levarem os alunos nas "reuniões" periódicas com os professores para facilitar que os professores reconhecessem cada aluno, aqui basta o nome. O acompanhamento é muito mais próximo das dificuldades e facilidades dos alunos.
Até por se tratar de um escola internacional, a ênfase no ensino de línguas que aqui é muito maior. Os alunos do ensino básico tem aulas de duas línguas estrangeiras e os do segundo grau tem três. No Brasil é conhecido o baixo nível do ensino de inglês nas escolas, que obriga os pais a recorrerem a escolas especializadas.
Obviamente nem tudo são flores. A gente tem sentido falta da quantidade de atividades extra curriculares que tinha no Brasil. As atividades esportivas ocorriam mais vezes por semana e sempre tinha alguma competição no final de semana. Aqui teve bastante atividade durante o período de competição e depois acabou. Aulas de teatro são também sazonais e não duram todo o período escolar.
O apoio que a escola dá aos alunos é bem maior, com conselheiros para ajudar desde a montar o currículo até à escolher a universidade. Isso faz com que as crianças fiquem mais dependentes. Como no Brasil a coisa vai mais na base do "se vira", as crianças acabam aprendendo a se virarem mais sozinhas.
E, na questão do conteúdo, temos aqui um modelo que acaba pecando pela falta. Um exemplo que nos deixou preocupados é que a matéria de Geografia no segundo grau é opcional e oferecida aos alunos que tem dificuldades em ciências. Talvez isso explique a famosa falta de conhecimento de geografia pelos norte-americanos.
Voltando às observações de Richard Feynman, a gente concorda com a maioria delas e vê uma abordagem diferente no ensino de ciências por aqui. Mas também não dá pra formar um ser humano completo sem uma base de conteúdo ampla e diversificada. Um meio termo talvez seja possível e, quem sabe, poderia ter os pontos positivos das duas abordagens. Será que é possível formar com um pouco menos de conteúdo do que é exigido no Brasil e com uma quantidade de experimentos e de suporte ao ensino próxima ao que temos por aqui?
Pra encerrar: estamos comparando as experiências que tivemos em escolas particulares em Brasília e Nova York.
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